Saia do meu trem
- Elis Faustino
- 4 de set.
- 2 min de leitura

Hoje completa 1 ano que parei de fumar. Meu primeiro cigarro foi aos 12 anos numa festinha de condomínio. Traguei com força. Foram anos nicotinada. Não vou mentir, quando vejo alguém fumando, me aproximo de mansinho e inalo a fumaça como se eu fosse um espírito obsessor. Uma vez viciada, sempre viciada, isso não passa, nem com a morte.
Hoje entendo o fantasma do trem no filme Ghost que quebra o vidro de uma máquina de cigarros na estação, ele se ajoelha diante do tabaco espalhado e diz que daria tudo para fumar só mais um cigarrinho. Inconformado com a desmaterialização de seu corpo, ele se lança contra um trem que se aproxima da plataforma e desaparece.
Hoje completa 1 ano que parei de fumar. Tem algo no vício que não está somente na ordem química. Dizem que em 48 horas o corpo elimina a nicotina do sangue. Não acredito. Minha vontade é de me agachar e mastigar as bitucas no meio fio. Ficaria de cócoras chupando guimba. Lamberia cinzeiro. A fissura é tanto que se me falassem que existisse nicotina líquida injetável, eu furaria minhas veias.
Descobri que a nicotina, cocaína, anfetamina, cafeína, heroína e tudo que termina com –ina age na mesma região do cérebro. Dopamina. Não sou menos viciada do que um garoto na Cracolândia. A diferença é que a substância que ele usou foi mais letal que a minha. Somos iguais. Estamos doentes.
É preciso um médico para curar o doente, não a polícia.
Hoje completa 1 ano que parei de fumar. Andava pelas ruas de Vancouver e vi uma moça loira, branca, shorts rosa curtinho e uma agulha pendurada na coxa. Poderia ser eu, pensei. Aposto que tudo começou com um cigarrinho. Ou não. Talvez venha de uma falta, de uma ferida na alma, de um vazio que a gente quer preencher a qualquer custo, seja com chocolatinho, videozinho, joguinho, cigarrinho, pozinho, sexozinho.
Quem merecem ser resgatados?
Hoje completa 1 ano que parei de fumar. Não estou pura. Tive 3 recaídas. A primeira foi no meu aniversário. A segunda foi quando meu cachorro morreu. A terceira foi por uma besteira qualquer e me dei conta que com vício não se brinca. Basta um.
Fumaria todos os dias se não fossem as consequências. Fumaria depois da morta se me fosse permitido. Mas hoje completa 1 ano que parei de fumar. Parei e não vou voltar. Estou certa de que essa vontade nunca passará e dentro de mim meu espírito inconformado, louco de abstinência, vai socar o ar, empurrar as pessoas, dar tapa em jornal, chutar latinhas e se jogar contra um trem.
Gosto de rondar o cercadinho dos fumódromos. Ver a chama do isqueiro acender, queimar a pontinha branca, dar aquela primeira tragada para garantir a brasa e depois exalar uma nuvem perfumada. Pode fumar aqui perto de mim, por favor.