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Roubar quem foi roubado

Atualizado: 21 de mar.

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Eu deveria saber que Stella estragaria tudo. Ela nunca suportou a felicidade. Desconfiei quando ela trouxe apenas uma bolsa de pano atravessada no peito. Eu havia desistido da ideia de morar junto. Foi no quarto pedido que ela aceitou. Sempre quis casar com Stella, mesmo com tantos problemas. Ninguém é perfeito, eu repetia a mim mesma para me convencer. Deixava passar o que não deveria. A gente já havia discutido sobre morar juntas meses antes. Ainda é cedo, Elis. Fingi ser por amor que ela se mudara, mas eu sabia que Stella só veio porque sua casa foi assaltada. O medo lhe tomou. Bem sei que me procurou mesmo depois de falar que não me queria mais. Ela poderia ter ido para outro lugar. Procurado uma amiga ou ir para casa da mãe. Poderia até mesmo ter ligado para o chaveiro. Reforçado as trancas. Instalado grades nas janelas. Poderia contratar uma empresa de vigilância. Botar câmeras, sirenes, cerca elétrica. Comprar um cão. Alguns se aproveitam do aumento da criminalidade, eu não.


Todas as vezes que Stella disse não, eu respeitei. O que mais poderia fazer? Levá-la para morar comigo contra sua vontade? Respeitei, apesar da mágoa. Eu, por outro lado, me sentia pronta para dar esse passo. Procurei por imóveis. Reclamei o preço do aluguel em São Paulo. Enviava links de apartamentos na Santa Cecília. Esse é bonito, ela respondia, mas nunca agendou visita. Uma vez eu fui visitar uma casinha de vila numa rua sem saída. Uma graça. Perto de amigos. Recém reformado. Negociação direto com o proprietário. Disse ao dono que voltaria com minha companheira. Eu gostei de usar a palavra: minha companheira. Stella não quis visitar. Ela nunca quis. Prometi a mim mesma que não falaria mais no assunto. Sabia que era questão de tempo para a gente se separar. Ela não queria o mesmo que eu. Estava perdendo meu tempo ao lado de Stella. Talvez houvesse um outro grande amor me esperando. A vida me pedia que tomasse coragem para dizer adeus a um relacionamento que não já não andava bem e que pelo jeito não levaria a lugar nenhum.


Foi um golpe de azar que nos uniu. O morador de rua pulou pela janela. Subiu pelo muro do vizinho. Tomou banho. Largou a calça mijada no corredor. Usou seus shampoos. Passou seu sabonete. Revirou gaveta de calcinha. Levou tudo. O computador cheio de vírus dos filmes piratas que a gente assistia. A televisão que ficava sob a bancada. Bijuterias das caixinhas de madeira. Até os travesseiros ele levou. O cara fez um lanche. Comeu o queijo. Bebeu o suco de laranja. Teve tempo. À luz do dia durante a semana. A polícia disse que provavelmente ele soubesse que Stella não estava em casa. Eles não entram para fazer mal, disse o seu polícia. As ocorrências de invasão e furto residencial aumentaram muito. Por que será?, perguntei. A cracolândia está em todo lugar, minha senhora. Seria bom se vocês tivessem outro lugar para ficar.


Na noite da invasão trouxe ela para minha casa por recomendação policial. Ela não queria. Pediu o uber para casa de uma amiga. Deixa disso, protestei. Eu levo você até lá. Entramos no meu carro. Perguntei qual era o endereço. Stella desabou a soluçar. Só vamos, ordenou. Liguei o carro e dirigi devagar rumo a minha casa. Eu descia a Marginal Pinheiros pensando que não era certo roubar alguém que acabara de ser roubada. Mesmo assim segurei em sua coxa tremula e pedi: Fique comigo. Amanhã a gente vê o que faz. Stella chorou até se exaurir. Chegando em casa esquentei a água do chuveiro para ela tomar um banho. Esfreguei suas costas. Tudo vai ficar bem, meu amor. Ela não tinha palavras, apenas chorava e tremia. Talvez pela adrenalina. Talvez por ver suas coisas reviradas. Talvez por pensar o que poderia ter acontecido se o homem tivesse entrado enquanto ela estava em casa. Ele revirou minhas calcinhas, Elis. Eu sei, amor, eu sei. Emprestei uma calcinha minha para ela. Stella foi de deitar. Descansa, amor. Na cozinha preparei um chá de cidreira. Levei umas torradas com manteiga. Quando voltei ela estava enfurnada debaixo do edredon. Apenas o topo de seus cabelos molhados apareciam.


Dormiu, pensei. Deixei o chá e as torradas na mesinha de cabeceira. Desliguei a luz. Eu me aproximei sem fazer barulho, deitei ao seu lado, encostei meus lábios em seus cabelos e sussurrei no escuro: vem morar comigo. Ela se virou. No escuro não pude ver se seus olhos diziam a verdade. Sim, ela disse. Fiquei feliz que Stella encontrou um refúgio em mim. Transamos. Parecia que tudo tinha se resolvido. No dia seguinte ela disse que iria pegar algumas coisas. Perguntei se eu deveria ir junto. Não, quero ficar sozinha. Mais tarde eu volto. Quando retornou, entrou pela porta da sala carregando apenas aquela bolsa surrada de pano, soltou a bolsa no chão como se ali não tivesse nada importante. De fato não havia. A forma como ela largou a bolsa no chão eu soube que não ia durar. Só não previ que duraríamos apenas uma semana.

 
 

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