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Pilates com minha mãe

Atualizado: 3 de dez. de 2024

Agora a minha mãe é minha amiga de pilates. Pensei em cancelar minhas aulas quando a vi deitada no Cadilac. Terça e quinta serão para testar se minha terapia está em dia. Podemos vir juntas, filha. Bom que economizo no estacionamento. Eu venho a pé. Não dá, a subida da Rio Negro me mata. Ah, subo rapidinho. Imagina. Você não faz fortalecimento de perna, não? Por isso mesmo fico cansada, mãe. Deve ser fraqueza. Depois que você emagreceu ficou flácida. Não perde mais quilos, filha, senão fica uma magricela alta e esquisita. Penso se será por isso que não consigo conquistar o corpo que desejo, pois sempre quis corresponder a expectativa da minha mãe. Ser a filha gulosa que come tudo que mamãe põe no prato e ainda quer mais. Depois se arrepende e vomita. Respondo reativa. Falta muito para eu me tornar top model, mãe. Acho que vou começar um jejum intermitente. Jejum não presta. Engorda o dobro depois. Pra perder isso aí só na lipo.

Trocamos de aparelho. Ela foi pro Reformer e eu pro Cadilac. Quando nos cruzamos, ela me perguntou qual protetor solar eu estava usando. Não lembro o nome, mas na verdade nem usava. Sua pele está muito áspera. Vou lhe passar o contato da doutora Joana. Queria que minha mãe se libertasse da opressão do ácido hialurônico, dos fios de PDO, do laser fracionado de CO2, do microagulhamento, do botox, do preenchimento labial, da blefaroplastia, do neck lift, do lipocube, megaderme duo, deep plane facelift, bioestimulação de colágeno, do peeling de fenol. O rigor que ela tem comigo é o mesmo que tem para consigo mesma. Foi assim que ela aprendeu a se amar. Foi assim que me amou. Não posso prometer que um dia não serei eu a me submeter a tais procedimentos. Fico tentada em preencher um cantinho do meu bigode chinês. Passa o contato sim, mãe, vou aproveitar para ver uma pinta. Cadê? Ela saltou sobre mim. Não, mãe, depois eu mostro. Insistiu como se meu corpo ainda fosse dela. Fez eu mostrar a bunda. Credo. A doutora Joana tira. Vai lá que ela tira. 

No Cadilac fazia o Rolling Back Down and Up que me lembrou da brincadeira de criança, quando me jogava para trás sabendo que os braços firmes de minha mãe estariam lá para me trazer de volta. Quem me trará de volta? Eu? Tenho buscado o amor-próprio, exigência difícil de cumprir. Estou contente com meus avanços, o cuidado afetuoso com meu corpo, respeitando meus limites, meu ritmo, reconhecendo meus esforços. Convenço-me. Jogava meu corpo pra trás e subia. Massageava minha coluna vertebral. Estava tão bom o embalo. Sou eu que cuido de mim. As molas vibravam. Concentrei na respiração. Força no abdômen. Entrego-me. Sou minha. Despertei com um cutucão na coxa. Já deu doze aí. Mãe, me deixa.

A professora ajustou as cordas do Reformer e passou mais uma série para minha mãe. Ela reclamou que estava muito leve. Pediu para enganchar mais uma mola. Pegou firme no Leg Lowers. Tremia as pernas na descida. A professora quis soltar uma mola, ficou muito pesado, minha mãe não deixou. Eu consigo. Minha mãe nunca pegou leve. A professora ajustou a mola mesmo assim porque ela não tem que obedecer o que minha mãe manda. Seria eu capaz de fazer o mesmo? Selar um novo pacto em que eu aceito minha mãe como ela é e, em contrapartida, ela me aceita como eu sou? Sei que não sou a filha que ela gostaria que eu fosse. Ela tão pouco é a mãe que eu gostaria. Que filha ingrata eu sou. Tudo que minha mãe já fez por mim, mas a culpa não ajuda a superar, pior, me mantém menina. Talvez a gente nunca se liberte uma da outra porque não aprendemos a nos amar. Melhor seria aproveitar nossas agendas sincronizadas, curtir o pilates, rir das preocupações estéticas que nos neurotizam, ignorar as constantes críticas, sustentar o cinismo que nos enlaça. Não sei quanto tempo pela frente ainda nos restam. 

Quando a aula acabou minha mãe foi ao banheiro. Eu poderia esperar para que tomássemos o mesmo elevador. Talvez ela quisesse uma carona já que veio a pé, mas gritei na porta:

─ Mãe, vou indo.

─ Até quinta!


 
 

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