Minha avó é ninja
- Elis Faustino
- 6 de fev.
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Meu pai trocava o revestimento do pé da bengala de minha avó Ermelita. Estava derrapando nos azulejos. Acompanhei a troca da capa protetora. Meu pai fazia força para soltar o pedal. Eu segurava a outra ponta num cabo de guerra. Minha avó resmungava com sua boca torta. Nunca compreendi o que minha avó me falava.
Também queria uma bengala.
Peguei um cabo de vassoura descabeçado na lavanderia. Batizei de Sebastian. Saltava sob o abismo entre o sofá e o tapete.
Minha avó Ermelita recebeu seu treinamento em artes marciais. Mantinha o sorriso de uma jabuti. Falava devagar, a língua presa, enrolava as palavras na boca. Ela arrastava a perna com uma bota ortopédica com hastes de ferro até os joelhos. Eu treinava estrelinha em sua frente. Minha avó piscava mole para mim.
Eu a imitava me apoiando sobre Sebastian, mas meu pai não entendia.
─ Estou aprendendo a me derramar.
Meu pai me corrigia:
─ Não é derramar, é derrame.
Antes do exoesqueleto acoplado na perna, minha avó Ermelita já deu muitas piruetas dignas de um faixa preta. Veio de Alagoas para São Paulo sozinha. Arrumou emprego numa mercearia no centro. Juntou dinheiro. De fininho na ponta dos pés como uma ninja, ela trouxe suas irmãs e sua mãe. Escaparam daquele homem ruim.
Depois minha avó Ermelita abriu uma empresa de confecção de roupas para moças evangélicas. Tinha visão profética. O negócio prosperou, em nome do Senhor. Em meus aniversários eu ganhava vestidos abaixo dos joelhos, que não eram bons para quem precisava praticar estrelinha.




