Meio a meio
- Elis Faustino
- 8 de nov.
- 4 min de leitura
escrito por Elis Faustino
(edição novembro/2025 - newsletter gratuita)

Sócias, mãe e filha, viajam juntas para uma feira de cama, mesa e banho na Europa. A mãe viaja de classe executiva, enquanto a filha é mandada para as últimas fileiras da classe econômica. De qualquer forma é uma viagem para Europa e a filha não pode reclamar. A sociedade com a mãe não saiu exatamente como a filha esperava. O que é meu é seu, dizia a mãe, mas na prática não é bem assim.
Era bonito ver: filha ajudando a mãe na loja.
A mãe dizia que teve a sorte de ter uma filha bem criada, que ao contrário de outros que apenas sugavam tudo o que podiam dos pais e depois iam embora, ela teve a sorte em ter uma filha interessada em cuidar do futuro de ambas. Menina amorosa. Eram só elas duas. A mãe carregou o fardo todo sozinha. Começou do zero trazendo jogos de cama do Paraguai. Vendia de porta em porta para as vizinhas. Abriu sua primeira loja com muito sacrifício. Agora o negócio crescia cada vez mais.
Dava uma paz ter a filha ao seu lado.
Já a filha, aprendeu bem. Abria a loja, orientava as vendedoras, escolhia os produtos da vitrine, definia as promoções, vigiava a câmera de segurança, muito honesta e responsável no caixa, ficava até tarde na loja. Corria o risco, ia embora pelo calçadão de Osasco com dinheiro dobrado dentro de toalhas. A filha fazia tudo como se fosse a dona, mas não era. Recebia o mesmo que qualquer outra vendedora, às vezes até menos. A filha ficava atrás do balcão e quem fica atrás do balcão não ganha comissão.
Tudo que é meu é seu, dizia a mãe. A filha acreditou.
Às vezes, a filha tinha uma necessidade ou outra. Não faltava nada, é verdade. Apenas não queria ficar de pedinte dentro da própria casa. Mãe me dá isso, mãe me dá aquilo. Afinal, a filha trabalhava. Seria certo se a filha ganhasse mais do que apenas um salário, alguma participação nos lucros.
A mãe achou indecente. Nem ela tirava lucro. Quanta ganância. O que entrava, saía. Olhe o custo das coisas. Não tem margem. O dinheiro mal dá pra cobrir as contas. A mãe reclamava que precisava aumentar as vendas, o faturamento estava péssimo, talvez fosse melhor fechar, passar o ponto.
A filha sabia do movimento do caixa.
A loja estava em pé há anos no calçadão de Osasco, sempre faturando na média. Não podiam reclamar. Até que aguantavam bem todas as oscilações do mercado. O comércio popular é assim mesmo, não dava para cobrar mais caro. As parcelas tinham que caber no bolso do consumidor. E a filha entendeu que apenas uma loja era pequena demais para as duas.
Para conquistar sua independência, pensou a filha, o caminho seria investir na própria loja.
Comentou com sua mãe seus planos. Um nova loja num ponto mais sofisticado com mercadorias mais exclusivas para um público mais elevado. Claro que não tinha dinheiro para fazer um investimento desse porte. Contou para a mãe porque talvez fosse algo que ela toparia entrar como investidora. A filha administraria a nova filial, tomaria todas as decisões, selecionaria sua equipe e escolheria os produtos. Seria a sua cara, faria do seu jeito, sem as interferências e ordens da mãe.
A filha deveria ter tentado um empréstimo no banco antes.
Ao ouvir a proposta da filha, de cara a mãe reclamou das vendas, disse que não era momento de expandir. Tinham que agradecer pela porta de emprego, que a loja era uma benção, não deveria dar o passo maior que a perna. Tinham que se contentar com o que Deus preparou.
Porém, essa ideia ficou borbulhando na cabeça da mãe.
Certo dia inaugurou o um novo shopping em Alphaville. A mãe foi visitar o empreendimento sem compromisso e tomada pelo entusiasmo, decidiu comprar uma loja.
─ Vamos expandir!
A mãe disse que já havia pensado em tudo. A nova loja seria aberta em nome da filha, elas seriam sócias. Mas antes, primeiro seria melhor a mãe ficar à frente do novo negócio porque neste momento de implementação, reformas, muitos riscos, tem que ajeitar a loja, é um público endinheirado, fresco, tem que lidar com madames, não é fácil, melhor você continuar tocando a loja de Osasco.
Era só até as coisas se estabilizarem. Só até a loja de Alphaville começar a dar retorno. Tem que ter paciência. As coisas levam tempo. Não foi do nada que a mãe construiu tudo. Aos poucos. Espere mais. Um dia a mãe passa o controle da loja de Alphaville para a filha. Ainda mais, um dia a mãe passa o controle de tudo para a filha. Tenha paciência.
Tudo que é meu é seu.
A verdade é que a mãe foi para Alphaville e a filha nunca saiu de Osasco. |
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