Derby com Cynar

Esquece essa história de corpo. Desde que parei de fumar Derby passei a beber Cynar. A ressonância não identificou o vazio que sei que tenho aqui dentro. A Cynar não acalma minha vontade de Derby. Agora estou viciada nos dois. Como daquela vez que fiquei viciada em Trident e com gastrite. A abstinência me dá insônia. Quero um Zolpidem. A abstinência me dá enxaqueca. Vou me viciar em Neusadina também. Ontem fiquei mais de 3 horas assistindo Reels. Dormiria mais rápido com um cigarro.

"Gostaria de ser uma ex-fumante. Eles parecem tão limpos, uma pele boa, felizes. E daí eles não conseguem mais pensar direito. Eu não consigo nem falar quando eu paro de fumar. Minhas frases ficam sem sentido, meio tremidas, e eu começo a ficar ofegante e começo a cuspir. Um animal."

(Eileen Myles, em Chelsea Girls)

Guardei um último Derby na gaveta. Não digo que parei de fumar. Comprometer-me pelo o resto da minha vida é algo que, se me conheço bem, vou falhar. Então guardei um maço fechado e prometi que se eu chegar até aos 90 anos, no dia do meu aniversário vou acender um cigarro. Minha avó Idalina não parou de beber Coca-Cola quando soube da osteoporose. Perguntava com seu sotaque alemão: que horas son? Já son quatro? Era a hora de encher seu copo com gelo, todo mundo sabia que as latinhas eram da minha avó porque ela gostava do gás sempre fresco, ela sentia uma satisfação somente em ver a espuma quase transbordar, as bolhas coçavam o seu nariz, ela sorria, segurava com as duas mãos o copo para não derramar, dava o primeiro gole sedento e pedia para minha tia Mara completar o copo com sua Coca-Cola. Minha avó Idalina morreu aos 94 anos de fêmur quebrado.

Aos 90 anos se eu ainda tiver essa mesma vontade de Derby com Cynar, espero que cumpram com meu desejo, pois é meio que foda-se, né.