Carneirinho
- Elis Faustino
- 16 de jan.
- 2 min de leitura

Eu me lembro da lã.
De entrar no quarto onde era o ateliê da minha mãe. Do barulho da máquina de tear. Os cones com as linhas organizados em degradê na parede. De ser o manequim para minha mãe conferir as medidas, do seu assombro em como estiquei, cada centímetro anotado, costas, pernas, largura dos braços, circunferência da cabeça, de encolher a barriga, de ter medo em não servir mais como modelo caso eu crescesse muito, das cócegas, do seu beijo em minha testa.
Eu me lembro do meu corpo aquecido.
De quando minha mãe inventava de fazer pantufas, meias, polainas, saias, blusas, toucas e cachecóis. Folheava revistas com instruções de pontos, selecionava as fichas de gravuras, escolhia as roupas que seriam minhas. Quero o carneirinho. Minha mãe contava a quantidade de agulhas, equilibrava os pesos para a linha não dar nó, pedalava a tarde inteira em sua máquina de tear. Eu passava as tardes aos seus pés esperando o tecido nascer, a figura se formar, ela me dando bronca dizendo para eu não puxar. Com as mãos abertas eu esperava a chegada do meu carneirinho.
Eu me lembro de alisar do meu carneirinho em meu peito.
Eu me lembro que minha mãe vendia suas malhas.
Recebia encomendas. As pessoas iam em casa, despiam-se na sala, eu espiava pela fresta da porta sanfonada, acertavam os pagamentos. Eu fazia as entregas. Batia de porta em porta no condomínio. Num pedaço de papel anotava o número do apartamento, o bloco, o nome. Minha mãe desistiu depois dos cheques sem fundo. As agulhas empoeiraram. O tear foi guardada no maleiro. As lãs foram ensacadas.
Eu me lembro quando a lã a trouxe de volta.
Minha mãe faz crochê só para mim
E para as minhas irmãs também, mas elas vieram depois.
Agora são para os netos que os novelos correm.




