Bernadine Evaristo e Garota, Mulher, Outras
- Elis Faustino
- 13 de nov.
- 3 min de leitura

Sábado agora, dia 15/11/2025, às 11 horas, teremos nosso Clube de Leitura online e gratuito a todos que estão inscritos na newsletter (link será enviado por e-mail no dia do evento). Este mês vamos discutir a obra de Bernadine Evaristo, o livro vencedor do Booker Prize 2019, Mulher, Garota, Outras. (Esta resenha não contém spoiler)
O livro Mulher, Garota, Outras é composto por 12 capítulos mais um posfácio bombástico digno de final de novela. Cada capítulo leva o nome de uma personagem. Em entrevista, Evaristo revelou que escreveria infinitamente, o assunto é inesgotável, recortar foi necessário. Apenas 12. O número é um tanto cabalístico, as associações podem ser diversas desde as constelações do zodíaco ou os doze apóstolos. Apenas esteja certo de que a escolha não foi aleatória.
A autora aprofunda ainda mais o mistério ao dividir o livro em 5 partes. E mais, composto por 3 capítulos cada. Poderiam ser essas tríades uma reparação histórica ao representar a divindade feminina e negra. Sempre há um grau de parentesco entre as personagens, por exemplo, a mãe (Amma) e a filha (Yazz). Outro alguém orbita meio etérea, num vinculo afetivo e não de sangue, seria esse alguém a espírita santa (Dominique) da sagrada trindade.
Estamos diante de um livro inteligente e muito bem estruturado.
O livro começa com a Amma, uma diretora de teatro, em sua estreia da peça As Amazonas de Daomé no National Theatre. A gente acompanha os bastidores e a expectativa da personagem, mas a autora não entrega o enredo da peça. Na minha leitura, creio que cada personagem do livro é uma das amazonas. Sobem ao palco (ou em cada capítulo) a própria Amma, Yazz, Dominique, Carole, Bummi, LaTisha, Shirley, Winsome, Penelope, Megan/Morgan, Hattie e Grace.
São muitos nomes, mas a gente não se perde. Cada capítulo dá protagonismo a uma personagem. Há, porém, um sentido para elas integrarem o elenco escolhido por Evaristo. As personagens não ficam restritas a seus próprios capítulos e permeiam outras histórias. É uma alegria reconhecê-las transitando, sendo citadas, ressurgindo nas outras passagens. Nenhuma personagem sobra. Todas tem uma função.
É fantástico observar a engenhosidade da autora ao dar vida no papel a tantas personagens, cada uma com sua particularidade, trejeitos, características, sotaques, o que comem, o que vestem, as origens, os relacionamentos amorosos, amigos, trabalho, estudo; são tantos detalhes que convencem que cada uma dessas mulheres realmente existe, que habitam algum lugar da Grã-Bretanha.
A obra de Bernadine Evaristo é polifônica.
A escolha de personagens me fez pensar que a Evaristo selecionou uma paleta de cor, da negra mais retinta, passando por diversas tonalidades de negritude até chegar branquitude. Estão ligadas ao destino do que é ser mulher e o que é ser negra numa sociedade capitalista patriarcal racista que aprofunda as desigualdades.
A autora tem a maestria em tratar de grandes temas que permeiam todas as mulheres negras, de diferentes condições sociais, trazendo o desejo em cena, a sexualidade pulsante, de mulheres que amam mulheres, dilemas familiares, as oportunidades disponíveis de ascensão seja através dos estudos, casamento, herança ou empreendedorismo. Evaristo também toca na questão migratória numa Inglaterra pós Brexit e faz um resgate ancestral de suas personagens.
Por fim, o estilo de escrita em versos, as rupturas e quebras nas linhas trazem fluidez e respiro a leitura. O narrador em terceira pessoa adere ao estilo de cada personagem de uma forma tão permeável que escutamos as vozes das mulheres retratadas.
Existe um trabalho de linguagem rigoroso.
Por exemplo, a autora aborda a sexualidade feminina com muita liberdade em todas as personagens e com Morgan não seria diferente. No momento em que Megan se entende não-binare e prefere ser chamade de Morgan, o narrador passa a usar a linguagem neutra. De uma elegância.
Bernadine Evaristo é professora de escrita criativa na Universidade de Brunel, em Londres e vice-presidente da Royal Society of Literature, tem uma lista extensa de distinções e conquistas. Garota, Mulher, Outras é seu oitavo livro. Chamou a minha atenção saber que ela recebeu a gratificação da coroa inglesa a Excelentíssima Ordem do Império Britânico, não sei se isso a faz Lady, mas se um dia eu tiver a sorte de cruzar com ela, vou me curvar em reverência.
Ficou com vontade de ler?
Acesse aqui para comprar o seu exemplar (ou clique na imagem abaixo).





