top of page

Pé pequeno de mulher

ree

Meus tênis sempre rasgaram no dedão. Meus dedos ficavam comprimidos e os calcanhares latejavam depois da caminhada. Não sei por que não comprava um número maior. Todos os tênis me apertavam. Será que por um complexo de feminilidade eu calçava sapatos apertados para que meus pés parecessem menores? Queria que me achassem mais delicada? Suportei anos de sapatos apertados com receio de que reparassem no tamanho do meu pé e numa brincadeira me acusassem de sapatão.


Decidi que compraria um número maior. Pedi 40. Talvez 41. Nunca soube o quanto de fato eu calçava. O vendedor me respondeu:


─ Desse modelo só recebemos até o 39.


Que pena, lamentei. Estava disposta a rodar o shopping a procura de um tênis confortável do tamanho ideal. Quando a gente se aceita como a gente é não toleramos mais se encaixar.


A próxima loja que entrei, paquerei vários modelos na vitrine, pedi para descer várias caixas para o terror da vendedora. Apalpava meu dedão do pé. Mexia o dedão a cada passo. Era a primeira vez na vida que eu exercia a liberdade de ter conforto nos meus pés.


─ Tem maior, moça?

─ Desse modelo só recebemos até o 39.

─ Mas eu pedi 40, né?

─ Essa numeração não vem para os lojistas. Só por encomenda ou no site.

─ Mas eu queria experimentar antes.


Que pena, lamentei. Rodei mais um pouco. Entrei loja por loja. Nem escolhi os modelos na vitrine. Pedi que me trouxessem todos que fossem número 40.


─ Quarenta só no masculino, senhora.


Então a ficha caiu. Mulher tem que ser miúda. Mulher não pode crescer. Mulher tem que se manter num corpo infantil. Odiei a Cinderela e seu sapatinho de cristal. Em resumo: comprei meu tênis número 40 na cor azul na sessão masculina. E eu não me importo mais se me chamarem de sapatão.

 
 

©2021 por Elis Faustino. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page